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TIRANDO PROVEITO PARA SE TORNAR UM COMPRADOR ESTRATÉGICO

Em tempos de escassez de liquidez, companhias e negócios bem estruturados e com acesso a capital têm a chance (de ouro!) de se planejar para aproveitar as vantagens que estão surgindo para comprar uma empresa participante no setor ou até um concorrente direto. E, apesar de ainda serem vistas como complexas ou longe da realidade das empresas, fusões e aquisições são grandes oportunidades para negócios crescerem e consolidarem seu setor de atuação.

Naturalmente hoje há uma discussão de preço mais intensa, mas ele (o preço!) é quase sempre reduzido, sobretudo nesses tempos. E mais do que preço, há uma discussão sobre a estrutura de pagamento dessas transações.

Aquisições para crescimento permitem adiantar alguns anos o plano de crescimento dos negócios, e têm vantagens contundentes sobre a alternativa de desenvolver os negócios organicamente. Empresas de sucesso não devem, portanto, perder a oportunidade de aprender a fazer aquisições, e construir na empresa a competência de business development.

Assessores financeiros externos mandatados podem ser grandes aliados quando se toma proveito da sua experiência, uma vez que há uma aprendizagem a partir do processo de desenvolvimento e prospecção de novos negócios, identificação de oportunidades de negócios emergentes, sempre construindo e mantendo relacionamentos de longo prazo. A lógica é que quanto mais se compra, melhor se compra.

Na Via Mandatto assessoramos e acompanhamos a aquisição de empresas de diferentes portes, com variados objetivos. Compartilho abaixo alguns tipos de aquisição e formas de pagamento e financiamento usuais que podem ser adotadas, dependendo do contexto.

 

TIPOS DE AQUISIÇÃO

 

AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO CONTROLADORA (TOTAL OU PARCIAL)

É aquela pela qual o comprador obtém, na transação, o controle da empresa. Enquadram-se nesta categoria as transações de compra de 100% das ações, de uma participação majoritária (maior do que 50% do capital votante mais uma ação), participações adicionais que transferem o controle para o comprador (por exemplo, um acionista que já possui 30% ao comprar uma participação adicional de 20,1%), ou qualquer outra transação em que fique explícito que o controle foi transferido para o comprador.

 

Na aquisição integral de um negócio, a aquisição inclui o CNPJ e todos os ativos – tangíveis e intangíveis – e, dentro dos regulamentos aplicáveis e regras negociadas, é importante o tratamento adequado dos passivos atuais e potenciais da empresa-alvo, por meio de mecanismos contratuais para mitigar esse efeito, como as escrow account. Isso ilustra a importância da due diligence e de uma boa negociação durante o processo.

 

AQUISIÇÃO ESTRATÉGICA DE PARTICIPAÇÃO NÃO-CONTROLADORA

 

É aquela pela qual o controle da empresa não é transferido junto com as ações - tipicamente, são transações menores do que 50% do capital votante. Normalmente, nesse tipo de transação um comprador estratégico visa uma aquisição parcial que possa levar à participação integral no futuro (p. ex. com opção de compra da participação remanescente).

 

ALIANÇAS ESTRATÉGICAS

Um dos modelos de aliança estratégica que mais têm se expandido é a joint venture, ou JV, um empreendimento conjunto formado a partir da associação de duas ou mais entidades em uma nova empresa (personalidade jurídica autônoma). As tratativas para a formação da JV iniciam por meio de um agreement, em que são descritas precisamente os ativos que serão contribuídos por cada parte, a forma de colaboração e implementação, o processo de tomada de decisões (governança), o detalhamento do rateio dos lucros e perdas da operação, a retenção de capital e outros assuntos. As entidades associadas originárias mantêm sua individualidade, ou seja, continuam a existir com suas operações independentes.

 

É diferente de um acordo comercial (de representação, ou oferta de comercialização ou distribuição de produtos, por exemplo), em que não existe a criação de uma nova empresa. Alguns modelos de bancassurance (produtos de seguradoras vendidos em canais bancários) podem se enquadrar nesse modelo.

As alianças estratégicas podem ainda assumir outros modelos, como a sociedade em conta de participação (SCP), consórcio ou sociedade de propósito específico (SPE)

 

FUSÃO

É uma transação em que duas organizações juntam suas operações e deixam de existir isoladamente, dando origem a uma terceira nova sociedade, que irá operar sob gestão única.

Geralmente é uma combinação de negócios de portes similares, na qual os sócios permanecem. Via de regra, não há retirada ou saída de capital (cash out). A capacidade de capturar sinergias operacionais e financeiras entre os negócios pode tornar a nova sociedade mais completa ou robusta para os clientes, além de unir talentos e possibilitar aumentar sua competitividade e, consequentemente, sua margem potencial.

 

INCORPORAÇÃO

 

Acontece quando uma empresa absorve as operações de outra, que deixa de existir, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações.

CISÃO

É o tipo de transação em que uma empresa é dividida e transfere parte do seu patrimônio, surgindo daí uma outra empresa. É caso das empresas que querem separar os negócios em unidades independentes.

AQUISIÇÃO DE ATIVOS (TANGÍVEIS OU INTANGÍVEIS)

Algumas vezes, o comprador não tem interesse em adquirir a empresa alvo em si, mas apenas alguns ativos que lhe interessam diretamente. A aquisição de ativos tangíveis pode envolver, por exemplo, uma planta (fábrica), uma linha de produção (máquinas, equipamentos), imóveis ou algum investimento específico.

Já a aquisição separada de ativos intangíveis é uma forma menos conhecida, porém de grande valor estratégico. As mais comuns são: aquisição de carteira | relacionamento com clientes e fornecedores, franquias, licenças, capital intelectual dos colaboradores (capital humano | força de trabalho) ou de propriedade intelectual (licenças, patentes, tecnologia | códigos-fonte, direitos autorais, marcas, modelos, processos, metodologias). A manutenção da marca após a aquisição depende da estratégia dos compradores.

FINANCIAMENTO AO COMPRADOR PARA A AQUISIÇÃO

 

Estando então clara a imensa oportunidade que se apresenta, não basta interesse de encontrar boas empresas para adquirir ou selar um acordo estratégico (por meio de um bom processo de search); também é necessário ter capacidade de financiar a transação. Preparação e disponibilidade ou acesso a funding definem o início de uma boa trajetória do processo de M&A.

Desde o início, uma empresa que se candidate a ser potencial compradora deve ser capaz de ter e demonstrar satisfatoriamente seu comprometimento com o processo, seu real interesse, e principalmente sua capacidade de financiar tal transação. Transmitir idoneidade e seriedade para potenciais empresas target é fundamental, visto que o processo envolve custo relevante de execução, bem como acesso a informações sensíveis durante a fase de due diligence confirmatória, período de exclusividade, etc. Ter um banco de crédito do lado ajuda com esse objetivo (um aval bancário para essa finalidade pode ser um bom começo).

 

Tipicamente, as transações podem ser financiadas e pagas de diversas formas: transações à vista (cash em excesso no balanço, ou proveniente dos sócios e/ou mantenedores), dívida bancária (empréstimos-ponte ou captações estruturadas – debêntures), pagamento (integral ou parcial) em ações (equity) ou por meio do diferimento parcial de parcela do pagamento como earn-out.

 

DINHEIRO EM CAIXA

Esse tipo de funding é utilizado por compradores que têm excesso de caixa (cash disponível no balanço). Alternativamente, podem ainda ser empregados recursos dos sócios (da matriz – no caso de multinacionais –, do family office, ou de mantenedores, no caso de empresas do terceiro setor).

Transações à vista em dinheiro costumam ser mais céleres. A redução dos indicadores de liquidez após a compra é compensada pelo uso mais eficiente do capital, uma vez que seu custo de oportunidade é simplesmente a receita financeira futura dos recursos aplicados.

Apesar da sua simplicidade e custo baixo, na prática as empresas geralmente não possuem posição substancial de caixa para financiar integralmente uma transação, e tendem a precisar fazer uma captação no mercado.

DÍVIDA

Captação de recursos via dívida também é comum ser utilizado para financiar, parcialmente ou integralmente, uma aquisição. Ou seja, é possível recorrer a empréstimos, linhas de crédito, emissão de títulos – notas promissórias, debêntures – ou outras fontes de financiamento para viabilizar a operação e não impactar o caixa. A depender da dívida líquida pré-existente da empresa a ser adquirida, o comprador também pode proceder a um pagamento simbólico com a assunção dessa dívida.

 

A captação de recursos externos é uma operação estruturada que exige organização, diligência e relacionamento. Além de uma análise criteriosa da compradora, a operação a ser financiada envolverá negociações das taxas de juros, prazos, garantias e demais fatores sensíveis da transação.

PAGAMENTO PARCIAL EM AÇÕES ("EQUITY")

Uma sociedade por ações pode financiar parcialmente a aquisição por meio de emissão de novas ações (equity), utilizando participação da própria empresa como moeda para aquisição. Ao oferecer suas próprias ações para financiar parcialmente a aquisição da empresa-alvo, o comprador reduz o desembolso em dinheiro e o endividamento, propiciando um upside de direcionamento de capital para investir no crescimento da empresa.

 

Uma alternativa é a dívida conversível em ações, que viabiliza o negócio e também possibilita postergar a definição absoluta do preço para eventos futuros, fazendo convergir o interesse entre comprador e vendedor.

DIFERIMENTO PARCIAL DO PAGAMENTO COMO "EARN-OUT"

Apesar de não ser tecnicamente um formato de financiamento para aquisições, earn-out é uma prática comum em transações de M&A. A dicotomia de expectativas entre compradores e vendedores pode acarretar mais esforço de negociação do preço a ser pago na transação. Para alinhar estas expectativas e viabilizar a transação, a cláusula de earn-out estipula um valor menor pago à vista e uma prorrogação do restante do pagamento desembolsado ao vendedor com base no desempenho futuro esperado da empresa-alvo, durante um período pré-determinado (até 3 anos). A proporção da parcela diferida de pagamento não costuma ser muito elevada, frequentemente entre 10% e 30% do valor total; mas varia de tempos em tempos.

Desta forma, vincula-se parte do preço a eventos futuros, como por exemplo: alcance de metas de vendas, de receita ou margem EBITDA. O earn-out permite que o comprador e vendedor concordem entre si e convirjam suas percepções de preço justo a ser pago na transação, com base no seu histórico de desempenho e projeções futuras, postergando a liquidação de fatores incertos do negócio.

Ao longo do processo de M&A, novas oportunidades de negócios podem surgir à medida que mais informações forem adicionadas à mesa. Durante as etapas de screening, análise e negociação com empresas-alvo, além dos trabalhos de due diligence, será estruturada a forma de financiamento que melhor couber na operação. Por vezes, combinando mais de uma das opções aqui descritas.

Apesar do momento de grande incerteza, esta crise do Covid-19 passará. Nem todas as empresas vão sobreviver, mas negócios com sobre-capacidade financeira que atravessarem esta fase com inteligência e gestão estarão em uma posição privilegiada em seu mercado. E aqueles que iniciarem uma estratégia de aquisição inorgânica neste momento serão beneficiados pela oportunidades de crescimento e/ou consolidação há pouco inimagináveis.

CONCLUSÃO

Transações à vista (cash disponível no balanço) costuma ser mais céleres; transações por meio de trocas de ações deveriam levantar a hipótese de due diligence reversa, também da empresa adquirente. Financiamentos por fontes externas, como empréstimo-ponte bancário, acrescentam complexidade e tempo requerido para concluir a transação.

AQUISIÇÃO DE ATIVOS EM "DISTRESS"

Por fim, e merecendo detalhes em outra ocasião, há outra janela de oportunidade retornando e se abrindo na arena das fusões e aquisições pós-Covid-19, típica de momentos de crise: a compra de ativos distressed, ou seja, de empresas em dificuldades financeiras.

 

Entre os setores mais expostos à crise e, portanto, potencialmente mais propícios hoje a um movimento de consolidação, estão shopping centers, empresas aéreas, escolas restritas a educação presencial, muitas de diversos setores industriais, notadamente o automotivo, e todas as que demandam alta presença de público e contato físico, como organização de eventos e entretenimento.

Empresas nacionais e estrangeiras com caixa excedente continuam interessadas por bons ativos, buscando oportunidades e analisando alianças estratégicas. Com o controle e visibilidade dos efeitos dessa inesperada crise, dívidas necessitarão ser reperfiladas, e oportunidades para investimentos em ativos promissores ou mesmo a aquisição de ativos de empresas que estejam em uma situação econômica mais agravada estarão disponíveis.

João Roberto Mesquita é sócio da Via Mandatto Assessoria Empresarial. Assessor em fusões e aquisições (M&A), parcerias estratégicas (joint ventures) e restruturações societárias. Especialista em finanças corporativas, aconselhamento empresarial e mercado de capitais. Engenheiro e contabilista, pós-graduado em economia, com 20 anos de experiência. Conselheiro de Administração (CCI) certificado pelo IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

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